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Uma breve história do Carnaval de Rio Pardo

A história do Carnaval de Rio Pardo remonta à virada do século 19 para o século 20, com a fundação do Clube Literário e Recreativo em 1886, que logo se tornaria o centro da vida social na pacata cidade. A partir da construção de um prédio para o clube, em 1909, é que os bailes de carnaval começam a ganhar destaque.

Dentro do Clube Literário surgiram subgrupos organizados, que combinavam fantasias para brincar o carnaval e eram chamados de cordões. Cada um desses cordões elegia também uma rainha própria. Haviam cordões de casados e de solteiros. Entre os casados as brincadeiras eram mais tranquilas e leves. Entre os solteiros, todos jovens, o carnaval começava a ganhar tons de agitação.

Dos mais conhecidos, ficaram para a história o "Olha o grupo" e o "Tem gente aí", que acabaram por desenvolver uma grande rivalidade ao longo dos anos 1920. Tanto que no final dessa década o cordão "Tem gente aí" rompeu relações com o tradicional baile do Clube Literário, após brigas dentro do salão, e passou a organizar o próprio baile, no antigo Cine Coliseu.

A noite de carnaval nessa época começava com um desfile de carros que levava cada cordão até o salão onde ele brincaria o carnaval, o corso. No carro da frente e com grande destaque ia a rainha do grupo. Na tarde de domingo outro desfile de carros, dessa vez com os foliões jogando serpentinas e lança perfume. Essa era a semente do carnaval de rua em Rio Pardo.

Até esse momento estamos falando de um carnaval branco. Negros e mestiços não tinham acesso a esses clubes e eventos da alta sociedade rio-pardense. Porém, a presença negra em Rio Pardo era ampla e relevante. E essa parcela da população também brincava o carnaval, só que não nos opulentos salões, e sim nas ruas, pelas periferias da cidade com as batucadas tradicionais da herança africana.

O movimento dos corsos na rua principal de Rio Pardo durante o carnaval começava a chamar a atenção e esses grupos negros que se reuniam para batucar nas noites de carnaval nas periferias passaram a se aproximar da região central. Ao ponto de conduzirem com suas percussões os desfiles de corsos até a porta dos clubes. Para os negros, ali era o ponto final do desfile, pois não podiam entrar para os bailes.

Um desses grupos que se tornou organizado era o chamado Conjunto de Manoel Eloi, um grupo de negros, exímios músicos, que se apresentavam em alguns locais menos elitizados e também na recém fundada Rádio Rio Pardo no início dos anos de 1950. E é provavelmente na rádio que esse conjunto é batizado como Escola de Samba de Manoel Eloi, inspirado nas escolas de samba do Rio de Janeiro, que ainda não haviam se tornado populares fora dos redutos cariocas.

Esses grupos estavam muito longe do que seria uma escola de samba do Rio de Janeiro, na verdade eram apenas conjuntos carnavalescos negros que tocavam marchas, sambas e outros ritmos populares da época e animavam o carnaval. Muito próximos do que seria hoje uma bateria de escola de samba. Mas o nome pegou e logo o grupo liderado por Manoel Eloi passou a se auto intitular Escola de Samba Velha Guarda, por causa de uma marchinha chamada Velha Guarda que anunciava a entrada do conjunto no ar na Rádio Rio Pardo.

Nos anos 1950 as portas dos clubes já não suportavam mais a efervescência do carnaval de Rio Pardo. Brancos e negros ainda brincavam oficialmente separados, mas cada vez mais tomavam conta da rua.

Inspirada na Velha Guarda, tem origem em 1959 a escola de samba Candangos, fundada por jovens e tendo como referência a tradicional família Goulart. A formalização de uma entidade voltada para o carnaval de rua e com origem na alta sociedade marca a união oficial dos dois grupos sociais.

A década de 1960 transfere a referência do carnaval dos salões para a rua. Negros e brancos, ricos e pobres tomam conta do centro da cidade nas noites de folia e em 1964 o prefeito Azuil Cintra, em parceria com a Rádio Rio Pardo, promove o primeiro concurso oficial do carnaval de rua.

Os desfiles são divididos em duas categorias, blocos e escolas de samba. Os blocos, maiores e mais bem fantasiados, com as origens nos cordões que brincavam nos salões. As escolas de samba, que eram basicamente baterias, ou grupos de percussão, desfilavam com menos componentes, sem enredo ou alas como temos hoje.

É no início dos anos 1970 que a relevância dos dois tipos de entidades começa a mudar. Rogério Goulart, um dos fundadores dos Candangos, vai ao Rio de Janeiro, visita a Portela e traz para Rio Pardo o sistema de desfile que se fazia em terras cariocas, com enredo, alas fantasiadas e alegorias. A partir daí, as escolas de samba assumem o protagonismo e os blocos se tornam menores.

Fundada em 1968, os Embaixadores do Ritmo protagonizam nas duas décadas seguintes uma grande rivalidade com os Candangos. As duas entidades crescem tanto que o carnaval de escolas de samba se divide em dois grupos, Classe A e Classe B. Para desfilar em uma ou outra classe a definição passava pelo número mínimo de componentes.

Nesse período, a Velha Guarda seguia animando o carnaval de rua, mas como uma escola que, na maioria das vezes, desfilava pela Classe B. Tanto que venceu por 10 anos consecutivos o carnaval nessa classe, entre 1975 e 1984. Namorados do Caribe, Estação Primeira e Black Boys completavam a lista de escolas de samba sempre presente nos carnavais das décadas de 1970 e 1980.

Dessa última, os Black Boys, é que surge em 1989 a Realeza da Vila. Com o falecimento do seu patrono em 1989, Zélia Leal assume o comando do grupo de sambistas dos bairros Bomfim e Nossa Senhora do Rosário e refunda a entidade com outro nome e ostentando agora uma coroa como símbolo.

Logo, a Realeza sobe da Classe B para a A e vence seu primeiro título na categoria principal em 1997, marcando oficialmente a sua entrada entre as grandes forças do carnaval de Rio Pardo e passando a rivalizar com Embaixadores do Ritmo e Candangos.

Chegando à história moderna da folia rio-pardense, surge a escola de samba Enamorados. Fundada como bloco em 2005, logo se torna escola de Classe B e, com a extinção dessa classe em 2014, passa a desfilar na categoria principal. Não demorou para surpreender e conquistar seu primeiro título, em 2018, e repetir a dose em 2020. É a única entidade a vencer o carnaval como bloco, escola de Classe B e escola de Classe A.

Hoje, Candangos lidera a galeria de campeonatos, com 21 títulos, conquistados na sua maioria nas décadas de 1970 e 1980. Com 19 campeonatos, os Embaixadores do Ritmo é o maior vencedor dos últimos 30 anos, quando passou por uma reformulação no início dos anos 1990. As caçulas Realeza da Vila com 6 títulos e Enamorados com 2 fecham a lista de campeãs entre as entidades ainda em atividade.

A Velha Guarda, aquela mesma fundada no início dos anos 1950 a partir do Conjunto de Manoel Eloi, registrou 5 títulos em sua história pela Classe A, mesmo com poucas participações nesse grupo. Unidos do Morro com 2 títulos e Estação Primeira com 1 completam a lista de entidades que venceram o carnaval de Rio Pardo na categoria principal.

Entre os blocos, o Água na Boca divide a ponta da galeria de títulos. Com 10 conquistas, a entidade teve uma participação e sucesso meteóricos no carnaval rio-pardense. Fundado no final dos anos 1980 e extinto no final da década seguinte, o Água na Boca venceu quase todas as vezes em que desfilou. Essa marca, porém, é de outro bloco que também possuí 10 títulos. O Tentação, de Ramiz Galvão, participou de 10 desfiles desde sua fundação em 2000, em todas as vezes venceu.

O terceiro posto nessa galeria de campeões dos blocos está com o Olha Aí, que desfilou entre as décadas de 1960 e 1970 e venceu oito vezes. O bloco traz no nome e na origem as referências aos rivais “Olha o grupo” e “Tem gente aí”, que marcaram a rivalidade nos salões no século passado.

Fechando a lista dos maiores vencedores entre os blocos está o Mãos do Samba. Fundado no início dos anos 2000, o bloco passou mais de dez anos sem desfilar e retornou em 2013. De lá pra cá são oito desfiles e 6 títulos.

Hoje, o carnaval em Rio Pardo segue com seu tradicional baile do Clube Literário, mas é nas ruas que a magia acontece. Milhares de foliões, da cidade e do Rio Grande do Sul, se divertem com os desfiles dos blocos e escolas de samba e os shows do carnaval popular. Tudo na esquina das ruas Andrade Neves e Almirante Alexandrino, onde também está localizado o Literário, onde essa história começou há mais de 100 anos.

As portas não se fecham mais para negros, brancos, ricos ou pobres. A folia de Rio Pardo hoje é referência estadual em cultura popular e realiza o maior carnaval de escolas de samba do estado na data do Carnaval, já que em boa parte dos municípios os desfiles são realizados fora de época.

A rua venceu.

 

Texto de Gelson Pereira

Fonte: jornais A Folha, Jornal de Rio Pardo, Gazeta do Sul, artigo de Rogério Goulart no Jornal de Rio Pardo, entrevistas realizadas por Eneiva Muller e Silvia de Barros. Todas as fontes estão disponíveis no acervo do Arquivo Histórico de Rio Pardo

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